Brasil -


2 de abril de 2011

O perseguido perseguidor

Às vezes desconfio que o assunto em torno do mandato do deputado Tiririca está se tornando um daqueles exemplos de catarse nacional, no melhor estilo Geni e o zepelim. Explico: um contingente enorme de gente, diante da imposição do voto e da falta de perspectiva política, escolheu o palhaço. Agora que a pressão eleitoral passou, todos relaxam e se divertem fazendo pouco caso do deputado. Difícil dizer com qual dos dois modos Tiririca  proporciona mais prazer aos brasileiros. Um prazer cruel e maledicente, está claro. 
Embora eu já tenha visto amostras desse novo passatempo nacional até em filas de supermercado, o comportamento da imprensa e alguns comentários de leitores é o que me chama mais a atenção. Mas nada como a manchete impagável de ontem, de O Estado de S. Paulo. O gênio autor dessa pérola editorial deveria ter seu nome cunhado na história. Pois ele conseguiu o que poucos escritores conseguem: revelar o próprio caráter por sob a impassibilidade das palavras. Se tivesse escrito "olha aí, ó, eu não disse?", não teria sido mais explícito. Não me lembro de quem já tenha dotado um "já" de tanto significado. Afinal, quem estaria esperando que isso acontecesse, não é?
É certo e é bom quando a imprensa descobre casos de mau uso do dinheiro público. Principalmente porque, sob o mau uso de vultosas somas, há outros crimes ainda mais graves, de cunho político, que viciam a democracia. Duvido, porém, que pedir um reembolso de pouco menos de mil reais (isso mesmo, R$ 660,00 + R$ 311,00, segundo a apuração do próprio jornal) possa esconder muito mais do que uma ou outra champagne e um beliscão envergonhado num caviar. Num cenário em que temos que aguentar em nossa vida política gente como Jader Barbalho, Renan Calheiros e José Sarney (nem todos com mandato, mas à solta por aí...), o tom da manchete soa, para dizer educadamente, desproporcional. Especialmente vindo de um jornal que estampa aos quatro ventos o fato de estar sendo censurado há mais de um ano. 
Tiririca não é o deputado dos meus sonhos. Aliás, felizmente, eu nem  sonho com deputados. E o seu partido é que é, para mim, uma piada mal feita. Porém, a imprensa trabalharia muito melhor, e nós faríamos melhor coisa, se parássemos com esse clima de perseguição. Ele foi eleito. Isso não lhe dá o direito de fazer o que quiser, mas lhe dá a obrigação de fazer do seu mandado algo que o povo queira. Isso é o que lhe deve ser cobrado. 
Em última análise, os perplexos da república não percebem que até agora só o estão fortalecendo. Tentaram acusá-lo de analfabeto, não conseguiram. Acusam-no de solicitar reembolsos indevidos que não somam sequer quatro dígitos. Pode até ser que isso divirta alguns leitores como os do Estadão - aquela gentalha que vê com horror chegarem até o "andar de cima" as pessoas que padeceram com a má distribuição de renda e de direitos públicos no Brasil. Mas isso só tende a se tornar cansativo e inócuo aos ouvidos dos eleitores: estes sabem que muitos outros, partidários da escola democrática do general Figueiredo (que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo), estão desviando milhões. A única coisa decente a fazer agora é esperar. E, da parte dos de boa vontade, torcer para que o nosso palhaço deputado não se torne mais um deputado palhaço.

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