Brasil -


16 de julho de 2010

CAPES e CNPq dão o braço a torcer

Depois de muito tempo fazendo vista grossa, a CAPES e o CNPq, principais agências de fomento à pesquisa em instituições de ensino superior, deram o braço a torcer: resolveram admitir que o valor de suas bolsas não é suficiente para manter, com exclusividade, a massa da mão de obra intelectual em formação do país. A partir de hoje, todos os estudantes de pós-graduação do país poderão receber, além da própria bolsa de estudos, uma "complementação financeira" (para a qual ninguém estipulou um teto...) "desde que se dediquem a atividades relacionadas à sua área de atuação e de interesse para sua formação acadêmica, científica e tecnológica" (veja a portaria).
O texto da portaria cria uma ampla margem discricionária e subjetiva para que orientadores e coordenadores decidam quais atividades atendem às duas condições acima. Muito provavelmente, as áreas de Ciências Humanas e de  ciência de base que não têm muitas vagas no mercado de trabalho estarão mais livres para permitirem que seus alunos trabalhem como professores (o que não raro significa muitas horas de aula), enquanto parte da área de Ciências da Saúde poderá ver os seus em turnos hospitalares noite adentro. Certamente ainda será difícil provar que estudar engenharia elétrica e trabalhar como manicure são atividades relacionadas. Mas a mensagem é clara: "tá bom, pessoal, podem parar de fingir. Nós sabemos que vocês continuam trabalhando e recebendo um 'por fora'. Agora pode". 
Hoje, os alunos de programas de pós-graduação (que não são os únicos a receber bolsas, mas certamente são a massa crescente de demanda) estão recebendo entre R$ 1.200,00 (mestrado) e R$ 1.800,00 (doutorado), graças a um aumento que vigora há cerca de dois anos. Só alguém realmente muito estúpido pode achar que esses valores são suficientes, especialmente quando consideramos que, por exemplo, a maioria das bolsas concedidas em 2009 pela CAPES e pelo CNPq esteve concentrada no Sudeste, em geral em grandes pólos urbanos (salvo algumas exceções em Minas Gerais e São Paulo), onde está a maioria das principais instituições de ensino do país e onde o custo de vida é sabidamente mais alto. Além disso, hoje um servidor público ocupando um cargo de nível médio em uma universidade estatal ou em um instituto abrangido pela carreira de Ciência e Tecnologia recebe, respectivamente, cerca de R$ 1.500,00 ou R$ 1.300,00 (mas podendo, neste último caso, facilmente chegar a 2.500,00 com gratificações) no início da carreira. O aumento do valor das bolsas, por outro lado, é fixo e depende exclusivamente de um ato administrativo que nem é obrigatório nem precisa ter qualquer relação com índices de inflação. Com isso, o Estado, que pretendia incentivar a formação de quadros profissionais de excelência, acaba empurrando nossos melhores cérebros para uma carreira burocrática menor. E o pior: segmenta socialmente ainda mais o acesso e a permanência na pós-graduação - pois o aluno, para conciliar seus gastos com livros e outros materiais de pesquisa com suas necessidades básicas, acaba, em mais de um momento, recorrendo à família. Não é à toa que nem a CAPES nem o CNPq fazem estatísticas sociais da pós-graduação. Fica a sugestão para os cientistas sociais cruzarem os dados da Pesquisa Nacional de Domicílios (PNAD) do IBGE com os indicadores de bolsas de fomento dos dois órgãos. Eu, que já convivi profissionalmente com as necessidades de bolsistas, digo que é preciso um tanto de coragem e disposição para declarar independência financeira e terminar um mestrado simultaneamente. 
Não custa lembrar que um estudante de pós-graduação não é apenas um estudante, como em geral ocorre na graduação (com exceção dos que passaram pelo ensino médio profissionalizante), mas um profissional formado. Além do mais, a sua atividade discente está intimamente vinculada à produção  de seu orientador, laboratório ou oficina em que trabalha. Ele não "apenas" estuda, como qualquer desinformado poderia pensar. E, cá entre nós: era um bocado de ingenuidade exigir exclusividade de um profissional formado pagando valores bem mais baixos que os de mercado. 
O preocupante nisso tudo não é se os estudantes vão ou não se dedicar menos aos seus projetos de pesquisa. Muitos já vêm, com ou sem o conhecimento de seus orientadores, mantendo atividades paralelas para se sustentarem. E muitos conseguem concluir seus cursos. O preocupante é que as duas principais agências de fomento nacional, com isso, estão dando sinais de esgotamento. Provavelmente, já vêm há algum tempo tendo que escolher se destinam mais verba ao custeio dos estudantes ou ao investimento institucional nos programas - o que é péssimo, pois ambos são igualmente necessários. Um garante distribuição social de acesso; o outro, a qualidade da atividade de pesquisa. Não acho que seja por acaso que ambas tenham tomado essa decisão este ano, depois do considerável aumento com os gastos com bolsas em 2009 com relação aos anos anteriores. Não vem coisa boa por aí.
Muitos vão respirar aliviados. Acho, porém, que o momento é de prender a respiração.


+ essa

Uma curiosidade: o Programa de Demanda Social da CAPES, que tem um caráter generalista (não capilariza os recursos por área, como a maioria dos editais do CNPq) e que teve seu regulamento reformulado este ano, prevê que as bolsas destinadas aos programas de pós-graduação por ele atendidos sirvam para manter, "em tempo integral, alunos de excelente desempenho acadêmico". Bem, realmente ainda não consegui imaginar uma situação em que possa haver uma atividade em tempo integral e uma outra paralela. "Integral" ainda diz respeito a "inteiro", não? Ou será que para a CAPES existe alguma parte além do todo?
Parece que nossas agências de fomento estão tão preocupadas com um possível colapso financeiro vindo por aí que já nem sabem mais como estão regulamentando a concessão do fomento...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Insira aqui sua própria infâmia.