Pondo de parte a opinião dos especialistas que não se surpreenderam com o comportamento das pessoas em frente ao forum de Santana, onde o casal Nardoni foi julgado, não pude deixar de me lembrar de quando li "O último dia de um condenado à morte" (Le dernier jour d'un condamné), de Victor Hugo. Eu era adolescente então e não conseguia entender por que o narrador (em primeira pessoa) em momento algum se referia aos motivos que levaram a sua prisão. Ao contrário, o pequeno conto seguia um tom bastante sentimental, desde a primeira linha ("Condenado à morte!"). Aquilo me levava a suspeitar se ele não merecia de fato estar preso. Ao mesmo tempo, eu não conseguia entender por que o povo francês de então sentia tanto prazer com um espetáculo repugnante como o do cadafalso ou da guilhotina. (E não só o francês: nos Estados Unidos o enforcamento de negros foi revestido com o capuz do êxtase religioso. Mas há aí uma diferença fundamental: a universalização da aplicação da pena).
Hugo dedicou boa parte de suas atividades à oposição à pena de morte. Vendo a disposição das pessoas na frente do forum, acho que finalmente consigo entender por que ele não deixou que o narrador de "O último dia de um condenado" expusesse os motivos de sua prisão.
Não questiono o resultado do julgamento dos Nardoni, que correu, como vimos, baseado no trabalho da perícia. Também não questiono o sentimento de "justiça feita", pois, uma vez que os indícios mostraram que houve crime e como houve, tal sentimento é um sinal positivo de que não concordamos com tal tipo de ato.
O que me preocupa é justamente o sentimento de "a justiça ainda não foi feita" após a condenação. E esse sentimento não parece estar presente apenas nos desocupados à porta do forum de Santana.
Não adianta muito alguns especialistas virem dizer que temos uma "cultura movida pela emoção" e que o caso foi, desde o início, "inflado pela mídia". As emoções não podem ser tratadas de forma indiferenciada, desligadas do desejo que as fomenta, nem da melhor forma de satisfazer esse desejo. Quem anda por aí ansioso por preencher sua vida vazia com um linchamento deveria lembrar do Caso Escola Base, que nasceu justamente desse sentimento de "a justiça ainda não foi feita". Imputaram uma devida responsabilidade à imprensa no caso, mas há também um componente protofascista naqueles que estavam dispostos a levar a punição aos supostos culpados até uma execução sumária.
Penso que era justamente contra esse tipo de sentimento que Hugo se opunha. O Direito fez um grande progresso quando expurgou a pena de morte do conjunto de penas comináveis. Resta-nos agora reler obras como as de Hugo que, embora imersas talvez em um sentimentalismo adolescente, acertam em nos atirar na cara nossa própria crueldade. A privação da liberdade é a maior pena. Acreditem, ela basta. Mas, para saber disso, é preciso, primeiro, ser livre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Insira aqui sua própria infâmia.